segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Raíz da Minha Essência

Das capelinhas ao miradouro

Peguei no carro e fui para as capelinhas contemplar os meus desejos, reviver a minha meninice. Ao passar defronte da mãe d’ água lembrei-me de várias coisas. Primeiro foi de quando criança, e de como aquele local era frequentado por nós, nas nossas brincadeiras. Depois, lembrei as vezes que por ali passei quando me dirigia para o monte, para as terras que meu pai trazia. De seguida, lembrei-me de quantas vezes ali fui buscar água. Chegado ao monte das capelinhas, revi capela por capela como o fazia tantas vezes enquanto miúdo, rezei em todas, agradeci a Deus, pelo facto de estar ali, estar bem de saúde, rezei pela família, pelos vivos e por aqueles que já não se encontram entre nós, mas que pela sua ausência nos trazem tantas recordações, rezei a todos os santinhos, tal como fazia quando era miúdo. Subi ao coreto, olhei tudo à minha volta: Que delícia! Que magnífica paisagem obtive. Fiquei radiante. Como recordava aqueles montes, os caminhos que outrora me levavam às terras que meu pai trazia, de quantas caminhadas fazia para ir regar as hortas, ou ainda das pinhas, das cegadas, dos molhos da lenha, das corridas de carreta que fazia com o tio Manuel. Que saudades! As vezes que pegávamos os burros e íamos à lenha, das cargas de carqueja, de giesta, de lenha de pinheiro, que levávamos para casa, das brincadeiras, de quantas sacas de pinhas enchemos, para trazermos para casa e para vender, de quantos pinheiros tínhamos que subir. Meu Deus... tantas saudades…
Saudades das coisas e muitas recordações do tio. Esse homem que nos deixou tão cedo! Que para lá de tio era o irmão que nunca tive, sempre pronto para ajudar. Tinha sempre um sorriso para nós e apesar do seu olhar triste havia no seu coração a bondade, o querer ajudar muitas das vezes sem poder, mas com um enorme sentido de responsabilidade, a grande ajuda que deu a meus pais enquanto viveu.
É um amigo, daqueles que nunca vou esquecer.  
Por todos os lados que olhei nunca me imaginei sozinho, ele esteve sempre presente, depois de ter rezado em sua memória, fui até à Senhora da Lapa. As saudades do tempo de adolescente em que vinha para ali brincar aos cowboys, aos polícias e ladrões. Muitas vezes os trabalhos de casa foram feitos nas fragas ali por perto.
Subi ao miradouro e então obtive a paisagem tão desejada: vi minha terra como nunca!
Os meus olhos fixaram-se em cada lugar que frequentei quando criança, adolescente e já como homem. Tantas lembranças para tão pouco tempo! Precisava de muitos momentos daqueles. Permaneci, por vários minutos ou talvez horas, não sei… Cada monumento me chamava a memória, cada rua me fazia lembrar qualquer coisa, cada casa onde vivi fez-me ser criança…o tempo que ali fiquei foi tão importante para mim! Ouvi os passarinhos a cantar, vi como era livre o seu voar, uns iam outros voltavam num vai e vem constante, num convite de passeio. Como era bom se pudesse voar daquela forma... flutuar, acompanhar aquelas aves, traziam-me tanta esperança e levavam tanta saudade. Lembrei-me de quando era criança e naquele local quantas vezes coloquei o meu papagaio a voar e, enquanto tinha fio era vê-lo, subir, subir, subir… eram esses momentos que pretendia alcançar, eram essas recordações que faziam de mim uma criança feliz, alegre e de bem com o mundo, que só quem é criança consegue sentir. Raízes de uma vida cheia de recordações, tantas vezes procuradas, mas que por isto ou aquilo não tinha tido oportunidade ainda. A minha essência estava ali, naquela terra, nas culturas, no monte, nas casas, nas gentes, nas tradições, no trato, no carinho…
Por cada paisagem que via ficava na lembrança uma fotografia que jamais irei esquecer, não tinha vontade de sair daquele local, o tempo que ali estive pareceu-me passar muito rápido. Queria mais, tinha que regressar mais vezes, devia voltar àqueles locais, lembrava-me de quantas e quantas vezes, passei naquele caminho, para ir regar as hortas, das idas ao monte, às castanhas, às ceifas do trigo e do centeio. Lembrei os campos verdejantes, as amendoeiras em flor, das maias, dos campos floridos. Que moldura mais bonita poderia desejar? Era a minha terra em todo o seu esplendor. Só que a noite prestava-se para aparecer e eu tinha que voltar a casa, onde tinha a família à minha espera e não queria chegar atrasado, embora aquilo que havia estado a recordar e a ver fossem muito importantes, só que o dever chamava-me e lá fui.
Já ao lusco-fusco, desci em direcção à vila. Enquanto conduzia, a minha mente não parava de pensar. Tinha vontade de voltar todos os dias enquanto ali estivesse de férias, fiz essa exigência a mim mesmo, não queria partir da minha terra sem que pusesse as minhas lembranças em dia, não sabia quando iria voltar ou até quem sabe, nunca mais voltar. Contudo a minha vontade era ali ficar, porém outras razões se levantavam, tinha que partir para continuar a minha vida, ajudar as minhas filhas, mas era aqui que conseguia recuperar forças para mais um ano de trabalho.
O balão de oxigénio é a minha terra, as minhas gentes, os meus amigos, as minhas raízes, as minhas memórias, numa conjuntura perfeita, fazem com que o meu dia-a-dia seja menos doloroso, mais alegre, mais preenchido, pois para auxiliarmos os outros temos de estar bem connosco próprios e é isso que procuro-uma paz interior que se ganha nos lugares mais queridos e mais marcantes da nossa vida. Então, Vila Flor é tudo isso: o meu berço de embalar, a minha formação, o preenchimento de um vazio quando se está muito longe, o encontrar de tudo quanto preciso, o meu paraíso, o meu oxigénio, a raiz da minha memória que sempre que tenha disponibilidade irei visitar. Esta terra que me ensinou a amar, esta terra que alberga todas as pessoas que por aqui passam, que recebe todo o mundo de braços abertos. Esta terra de gostos, de sabores, de produtos e de paladares bem apurado, que dá uma paz enorme para quem precisa de recarregar baterias para mais um ano de trabalho, de emoções e de grande hospitalidade. Esta terra que eu amo, que reclamo, que recomendo, que vivo, que detém pessoas tão importantes na minha vida.
Esta terra de emigrantes e imigrantes, que ressuscita, quando os seus filhos a visitam, que se enche de cor e de alegria cada vez que esses filhos chegam, que sabe como nenhuma outra, tão bem retribuir.

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