sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Raíz da Minha Essência


O encontro com o grupo de amigos

Depois de jantar fui passear um pouco pela Avenida, entre várias pessoas, estava esse amigo do dia anterior, convidei-o para um cafezinho. Fomos até à praça. Ali chegados sentamos-nos num dos bancos, onde tantas vezes o fizemos. Enquanto conversávamos um outro amigo apareceu e disse:
- Olha quem aqui está !!! Tudo bem? Venham de lá esses ossos, as famílias, a vida está tudo sobre rodas? Não vos fazia aqui, até já tinha falado em vós, ainda há bem pouco tempo procurei se vocês vinham cá ver a festa, ou não.
Perante isto e após termos cumprimentado e respondido ao nosso amigo eis que outro amigo apareceu. Falámos um pouco de nós, da vida, dos problemas, famílias, dos locais de trabalho de cada um… Até que, mais outro amigo aparece e uns de pé outros sentados, ali ficamos a contar umas anedotas, como era nosso hábito.
Mais umas pessoas foram chegando, embora não pertencessem ao nosso grupo, eram amigos de escola ou de trabalho. Falou-se do Sporting, do Porto e do Benfica, cada um foi dando a sua opinião, “este ano o campeonato é deste”, outro dizia que não. Obviamente que cada um tentou puxar a brasa à sua sardinha. De repente, saiu de um de nós a vontade de rever os amigos e consequentemente os locais da Vila, que mais nos tocavam, embora Vila Flor seja no seu todo, um local de recordações.
 Porém naquela noite pretendíamos os locais por nós frequentados quando jovens, amantes da terra, dos seus costumes, das suas tradições, das suas gentes, dos seus monumentos, dos locais de lazer.
Saímos os dois amigos, em direcção à recordação. Enquanto caminhávamos e conversávamos, eis que mais um amigo aparece, ao passarmos por um local mais um amigo e a seguir outro e mais outro. Já não sei quantos éramos, talvez o suficiente para passar uma noite ao luar, como nos belos tempos, ficando a pena de mais amigos não terem vindo, pois esse ano as férias não coincidiram com as nossas, cientes que embora não estivessem pessoalmente estavam-no na nossa mente.
Recordar as coisas boas que em Vila Flor passámos, como eram belas as noites na Fonte Romana, o cantar na volta dos tristes, o jogar a bola na Praça Nova, na Santa Luzia, na eira ou no campo do colégio, o jogar bilhar no patim da rapadoura. Recordar das dificuldades económicas que alguns de nós tínhamos, dos grupos de rebusqueiros de azeitona e amêndoa, da pretensão de formar um grupo musical, mas o dinheiro não fazia parte das nossas bolsas, das namoradas pois como era bom voltar a falar das pequenas e grandes paixões por nós vividas, das tradições da Páscoa, do Natal, das Festas da Vila, das contra-danças, do Carnaval, das matanças do porco, do jogo da malha, das serenatas á capela, que tanto gozo nos dava, das cerejas e dos pêssegos, dos figos e dos melões, das uvas e das castanhas.
Tantas coisas bonitas revividas por amigos que embora distantes uns dos outros,  cada um foi para seu lado por várias razões, uns para o estrangeiro, por que a emigração tinha sido e continuava a ser o grande escape para muita gente, porque na terra não tínhamos uma vida capaz de podermos um dia constituir família e consequentemente dar aos nossos filhos tudo quanto nós não tivemos, só trazia-mos na ideia a vontade faminta de uma noite ao luar, reviver o passado, esse passado que embora não tão distante, fazia com que todos fizéssemos como que de um reconhecimento se tratasse, uma noite onde a amizade, o amor, as saudades, viessem ao de cimo, fazendo com que aqueles amigos sonhassem embora acordados, pudessem assim desfrutar de algo que tinham vivido, com tanta vivacidade, com tanto carinho, que tivessem ido para onde fossem, e mesmo aqueles que haviam ali ficado. Vila Flor andava no coração de cada um de nós, tudo quanto nos tinham dado, tudo quanto nós fizemos, as brincadeiras que tivemos.
Justificava-se uma noite assim, pois outras se haviam de seguir, porque tudo quando tínhamos em comum era tanto que uma só noite não chegava para falar de tudo, reviver tudo, enfim pôr a conversa em dia.
 Foi então que o Zé, disse:
 -Amigos andamos todos estes anos desencontrados uns dos outros, o que vai acontecer hoje é nem mais nem menos aquilo que cada um de nós idealizou, todos nós fizemos saber uns aos outros a vontade de uma noite assim, por isso proponho um brinde à amizade.
Disse logo o Manel:
- Mas com que brindamos?
- Perguntas bem - diz o Zé - mas aqui só água, e esta já não é igual a de antigamente, e com a água não se brinda.
O Chico, respondeu aos outros dois:
 -Bem tenho uma garrafa de champanhe em casa, posso ir buscar!!!
- Não, não vale a pena, senão vamos perder muito tempo e a noite passa sem a gente recordar as coisas lindas que outrora vivemos, pelo que proponho que se vá ao café mais próximo e compramos umas cervejas e mais qualquer coisa e comemoramos na fonte romana - sugeri eu, tendo então os outros amigos concordado.         
Era Agosto e a noite estava mais linda do que nunca. Fomos andando e conversando tendo como destino a Fonte Romana, para revivermos tudo quanto ali tínhamos passado, as nossas brincadeiras, ali chegados. Cada um tomou a sua posição e já todos sentamos foi o recomeçar, o inicio de tudo.
O Joaquim, distribuiu uma cerveja por cada, e então fez-se um brinde à amizade, um brinde dedicado a todos os amigos que tantas vezes naquele local deixaram muita amizade. O Paulo pediu uma pausa para usar da palavra, e em agradecimento a todos disse:
 -Por vezes quando lá naquelas terras longínquas a vida anda mais cinzenta e a saudade aperta lembro-me deste cantinho, esta terra e principalmente estes amigos, que fazem parte da minha vida, só vocês para me fazerem chorar, chorar de alegria.
Depois de uma salva de palma outro pediu para falar. Era assim, o respeito estava acima de tudo. Então pedi para me prenunciar acerca desta noite e do que ela representava para mim.
- Amigos, a amizade é de facto um sentimento muito lindo, e o que vamos aqui reviver é o apogeu, desse sentimento, que todos nós sentimos uns pelos outros e vamos evocar coisas que nos guarnecem pela vida fora. Hoje é um dia completamente diferente de todos os outros já vividos neste mesmo lugar, pelo que não nos devemos sentir amargurados por esta ou aquela pretensão não tenha acontecido. A vida é mesmo assim, e o mais importante é de facto a amizade.
 É obvio que aquelas palavras haviam de trazer respostas e como sempre o Chico retorquiu:
- Meu grande amigo, sempre fiel aos teus princípios, sempre muito correcto com tudo e com todos, mais pareces um orador. Como tu errastes a profissão.
Como o nosso grande objectivo era reviver as recordações, termos as raízes da memória coladas ás nossas mentes, queríamos recordar na integra os tempos passados, não só ali mas também, no santinho, no terreiro, no rossio,… então foi o recordar de tudo, mais parecia que alguém tinha filmado aquilo e que estávamos a seguir o guião superiormente bem emanado, por todos em uníssono, sem que houvesse um ponto que nos indicasse a deixa, estava tudo na ponta da língua, não havia erros ou retrocessos, eram os nossos momentos era o ser fiel a tudo quanto tínhamos passado.
 Era fantástico como após tantos anos decorridos ainda dispunha-mos na memória a exactidão das coisas, parecia que tudo tinha sido estudado ao pormenor, que conhecíamos todos os centímetros no terreno que pisávamos.
As canções que cada um de nós dedicava à sua amada, depois todos em conjunto cantarolávamos todas elas, cada verso que havíamos dedicado era como um momento único, muito aplaudido por todos, era um momento solene, um silêncio de quem escutava, um sabor a tão pouco de algum de nós, porque teríamos ido mais além se coisas estranhas não tivessem havido. Em fim, cada um de nós tinha tanto para dar a conhecer o que aconteceu depois de, era preciso ter uma grande amizade uns pelos outros, que enquanto um falava os outros ficavam em silêncio, escutando as coisas lindas que cada um de nós tinha para dizer, o respeito pelos momentos vividos.
Cada um falou de si e das recordações, do passado e como era bom ouvir um de cada vez dizer de sua franqueza, tudo quanto lhe ia na alma, do quanto era bonita a pureza das palavras de cada um de nós, parecia que só nós existíamos naquele momento, que a vila era toda nossa, que éramos os guardiões das portas da vila, servidores de El-rei D. Dinis, que tudo nos caía aos pés, que o mundo tinha parado e que naquela noite para ser perfeita apenas faltava a juventude…embora o nosso espírito seja o mais jovem possível, foi então que uma voz disse:
 - Quanto gostava de voltar a jogar à bola, ao eixo e ao pião, às escondidas, aos cowboys, era tão fixe saltar a fogueira no terreiro em dias de Natal. Como era bom ver a neve cair, fazer bonecos-de-neve e no Entrudo, quando passava uma rapariga por perto lá tinha que apanhar com o pó-de-arroz…, quando não era farinha, porque o pó-de-arroz era caro e o dinheiro era pouco – terminou rindo.
Claro que elas gostavam, até ficavam mais cheirosas, por vezes algum de nós tinha de correr, pois nem todas se portavam bem, haviam as que descalçavam o sapato e “salve-se quem puder!”, mas no fundo a brincadeira empolgava-se num tom de festa, de cordialidade e de carinho, até porque de uma brincadeira se tratava e tal como o povo dizia “No Entrudo passa tudo”. Ou mesmo quando em dias de neve, brincávamos com esta, fazíamos bolas e atirávamos uns aos outros, sem rancores.
Todos eles tinham tanta coisa para contar, achamos por bem ter mais noites iguais. Optamos por naquela noite falarmos das sensações vividas e recorda-las a esta distância. Como era? Será que tinha valido a pena termos feito o que fizemos? Termos perdido tanto tempo para depois cada um  de nós ter escolhido caminhos diferentes, mas a vida é mesmo assim, no fundo o que interessava era que estávamos juntos e que queríamos recorda.
Fomos arranjar umas malhas, e começamos a jogar á malha, não interessa quem ganhou ou quem perdeu, afinal ganhamos todos nós, porque aqueles momentos haviam sido tão importantes para todos por isso estávamos ali.
Depois da partida de malha, fomos dar a volta dos tristes, apesar do local se chamar assim não tinha nada a ver connosco aquele nome, pois tratava-se de um grupo de amigos felizes, contentes, tendo como objectivo a alegria, o recordar o passado que havia sido tão lindo, do qual nos orgulhávamos tanto, por tudo quanto fizemos, pela grande amizade que se foi cimentando desde bem crianças, afinal de contas o nosso objectivo estava a ser cumprido.
Mais tarde foi o parar no santinho. Ali  cada um de nós foi rezar e depois de rezar ao santo da minha devoção, falamos dos bailaricos no largo da capela. Havia alturas em que a gente não cabia no recinto e vinham para a estrada que liga Vila Flor a Roios e a Sampaio, 
Subimos e paramos na Fonte das Vestas, onde cantarolamos umas canções. Chegamos ao terreiro, onde um de nós perguntou :
- Então aqui o que temos?
 Outro respondeu:
- Muita saudade..
Enquanto outro diz:
- Olhai, foi aqui que pedi namoro á minha mulher…
 Ao que outro acrescenta:
- Foi aqui que dancei muitas vezes com a namorada deste ou daquele, porque com a minha nem sempre dava…
Outro logo de seguida retorquiu:
- Mentes perversas é o que vocês são, então não me digam que tinham tanto receio, havia raparigas para todos os gostos, tanta mulher bonita, verdadeiras bonecas com pernas, manequins, que nem em todas as passerelles tinha beleza tão pura.
-Perante isto resolvi entrar no diálogo, e em tom irónico disse:
- Pois é meu amigo, tu falas de boca cheia, nunca tiveste grandes problemas com tais coisas, sabes porquê? Caíste no goto das pessoas…
O meu amigo foi muito pronto na resposta:
- Não tenho culpa disso, que culpa tenho eu de ser bonito?
- Engraçado – respondi - tens sempre a resposta na ponta da língua.
Subimos á Portela. Ao passar defronte de uma casa alguém falou:
- Lembram-se de quem nós víamos todos os dias nesta zona?
Dois de nós respondemos ao mesmo tempo, contudo eu fui um pouco mais além, e disse aos meus amigos:
- Vocês recordam-se de quantas miúdas havia nesta zona? Pois é amigos a portela era um jardim onde cada flor era mais bonita que a outra, e mais, do Rossio á Portela apesar da distância ser curta, mais parecia uma fábrica de mulheres bonitas, não estou nada arrependido de aqui ter colhido uma dessas flores.  
Fomos até ao Rossio. Aqui as maiores recordações eram minhas. Aquele local mítico muito especial, para mim por várias razões, tudo quanto de bom tinha acontecido na minha vida estava ali, os meus pais, a minha família, as minhas recordações centralizavam-se naquele pedaço da vila, foi o reviver de coisas bonitas que ali tinham acontecido, não o podia fazer numa só noite, tive a sensação que outras noites tinha de haver. Contudo naquela noite ficamo-nos por ali, depois cada um de nós foi para seu lado. Porém tinha algo que me dizia que aquela noite não podia acabar assim, não sei por quê, fiz uma retrospectiva de quando era muito criança.
Pretendia reviver os momentos passados em criança e veio logo á memória uma quinta que meu pai tomava conta quando eu tinha cerca de 5 anos, a minha irmã mais velha tinha três e havia uma de colo, com um ano apenas.

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