sábado, 13 de novembro de 2010

Raiz da Minha Essência


A História do Galo

Lembrei-me que um dia minha mãe me disse: “Fernando vai ao cabanal ( telheiro), e trás os ovos que estiverem por lá”. Todo contente fui aos ovos, só que o pior estava para vir. Enquanto pegava um ovo, o galo mais velho, não gostou que eu fosse tirar os ovos bicou-me. Coloquei as mãos na cara para não me bicar os olhos e aflito chamei pela minha mãe. O meu pai que andava a fazer a lavoura, muito perto da casa, ao ver que eu não me calava, chamou por minha mãe e disse:
 -Oh Maria, (embora o nome de minha mãe seja Ernestina), olha o garoto que não se cala vê lá o que é que o garoto têm!
 Minha mãe ao ver o galo a bicar-me e eu com sangue nas mãos, gritou:
- Abílio, Abílio, anda cá homem que o galo arranca os olhos ao nosso menino.
 O meu pai ao ouvir isto correu e de vara na mão, quando apanhou o galo matou-o. Confesso que não sei se comi daquele galo, penso que fiquei com uma revolta tão grande, que nem me apetecia voltar ao galinheiro, tinha que perder o medo porque a final de contas o galo mau tinha morrido. Dias depois lá andava eu e a minha irmã a quem nunca o galo disse nada, apesar de retirar os ovos do galinheiro, vá lá entender-se porquê… O susto foi passando a pouco e pouco, comecei a não ter medo e ia para todo o lado sozinho, dava voltas á casa por vezes o meu cão fazia-me companhia.


  
O meu Coelhinho

Dias mais tarde o meu pai ofereceu-me um coelhinho, um coelho do monte, pois naquele local e naquele tempo havia muitos coelhos, muita caça, o que não acontece agora. Era o meu brinquedo preferido, era eu que lhe dava de comer, que o tratava. Não estava junto com os outros coelhos lá de casa, tinha uma casinha só para ele. Quando ia limpar-lhe a casa, tinha que o meter num lugar seguro senão ele ia embora para o mato.
Embora fosse coelho bravo era meigo, gostava que lhe fizesse festinhas, foi crescendo e eu acompanhando o seu crescimento, mas um dia descuidei-me e o meu coelho saiu da casinha, corri atrás dele mas não o consegui agarrar, foi-se embora, fartou-se de estar bem, tinha comida, bebida e casa lavada, quis se ir embora. Obviamente que chorei com a sua ida, mas ele era do monte e não se habituou a estar em casa, talvez tivesse tudo de mão beijada e ele não queria isso, queria procurar as suas coisas, ter as suas dificuldades, ou ainda queria estar junto dos seus, ali não tinha pais, não tinha irmãos, tinha os outros coelhos mas mesmo que os juntasse não se ia habituar, pensei eu.
Fui a pouco e pouco esquecendo o meu brinquedo favorito, até que um dia o pai foi ver as vinhas e levou-me com ele. Enquanto o meu pai foi um pouco mais além eu fiquei no inicio da vinha, junto do cavalo e de um dos nossos cães, o meu pai chamou o cão e eu ali fiquei, quando sem saber como vejo um coelho, quando me levantei para ir junto dele, este entrou num buraco, fiquei ali, junto do buraco, chamei o pai:
- Pai, pai, o meu coelhinho está aqui, num buraco, venha tirá-lo, quero leva-lo para casa.
 Então o pai respondeu:
- Esperas aí, quieto não faças barulho que eu vou já, e não deixes o cão chegar perto de ti, senão o coelho quando se aperceber que o cão está aí vai-se embora.
Ali fiquei. Quando o meu pai chegou disse-me:
- Toma este casaco e coloca-o sobre o buraco, porque eu vou ver se do outro lado não tem outro buraco.
 Assim foi, o meu pai foi atrás e não viu buraco algum, o cão não se calava, queria apanhar o meu coelhinho, e eu aflito, até que o pai, meteu a mão no buraco e apanhou o coelhinho, deu-mo e disse:
- Será que este é o coelhinho que tu tinhas? Se calhar não!!!
 O certo é que para mim era o meu coelhinho, esse que tinha fugido. Levei-o para casa e coloquei-o na gaiola onde tinha estado, dei-lhe de comer, e de beber.
Ao princípio estava muito desconfiado, mas a pouco e pouco foi ganhado confiança e lá começou a comer. Voltei a ter o meu brinquedo.
Dias mais tarde os pais deixaram a quinta e eu trouxe o coelhinho para a Vila, só que as condições não eram as mesmas, até que um dia o meu pai disse:
- Olha que o coelho aqui não se vai dar, vamos junta-lo aos outros coelhos para ver se ele adapta, caso contrário, solta-o ou mata-se para comer.
Pareceu-me ouvir mal, e perguntei:
- Matar, comer? Mas o meu coelhinho não é dos de comer é do monte e é para o monte que ele vai.
 Enganei-me não foi para o monte pois um dia quando me preparava para lhe dar de comer estava morto. Muito eu chorei. Quando o apalpei e ele não me respondeu, não olhava para mim, o meu pai disse:
- Morreu, agora é mete-lo no lixo, muito ele durou.
- Pois foi - disse eu - se calhar não devia estar junto dos outros coelhos, foram eles que o mataram, tanto trabalho, tanta dedicação e agora morreu.
Tinha de interiorizar que o meu brinquedo tinha deixado de existir e que havia de encontrar um outro brinquedo mas desta vez que não fosse um coelhinho do monte, porque tinha ficado muito triste com o fim que ele teve.        
Os dias passavam e aquele local isolado era ainda mais quando meu pai tinha de vir à Vila, ali ficávamos muitas das vezes até bem de noite, por vezes os lobos e as raposas faziam-nos companhia, quantas vezes os cães só paravam de ladrar depois do meu pai chegar.
 De quando em vez um dos nossos cães era mordido. Lembro-me de um dos meus cães ter morrido na cabana, depois de ter sido mordido por um lobo pois era uma zona de monte, de mato denso, que rodeava aquelas terras. A pouco e pouco a mãe fez ver ao pai que aquilo não era bom para nós, principalmente quando o pai vinha para a Vila, ficava mais difícil. Apesar de ter todo o espaço do mundo para brincar lidar com a natureza todos os dias, não era espaço para vivermos.
Deixamos a quinta e viemos viver para a vila, na Rua do Forno, por trás do museu, ali vivemos durante dois, três anos.
Meu pai pensou emigrar, arranjou uns cobres e juntamente com outros homens da terra e do concelho, decidiram ir para a França, onde já havia muita pessoas da nossa terra, inclusive familiares. Fez uma merendinha e fomos para casa do meu avô João. Ali meu pai e mais dois senhores esperavam o passador, que os havia de levar, só que quando o senhor chegou os outros senhores foram e o meu pai ficou. Tenho em querer que foi a minha mãe que o não deixou ir, algo se deve ter passado para que meu pai mudasse de ideia, acabou por ficar na Terra.

A escola primária

 Situada a poucos metros da minha residência, situava-se a minha primeira escola primária, minha ida para a escola, a importância de aprender a ler e a escrever. Nos primeiros dias os meus pais diziam-me:
- Faz por aprender a ler e a escrever, porque quem sabe ler e escrever vai a todo o lado e quem não sabe não vai a lado algum, aprende para te livrares do trabalho duro.
Coitados, a escola tinha começado há dois dias e eles já estavam preocupados comigo, para eu aprender, já que eles não tiveram essa possibilidade.
Naquela escola andei apenas na 1ª. Classe, depois fui para a escola da Santa Luzia, onde conheci outros meninos mas no ano seguinte voltei para a 1ª. Escola e mais tarde fui  para a escola junto da rapadoura.


Aquela tapada

Após a morte da minha avó materna, os meus pais ficaram a cuidar do meu tio Manuel e avô Armando. A este último chamava de avô, embora não o fosse geneticamente mas era a pessoa a quem eu sempre chamei avô, pois não conheci o meu avô materno, com muita pena minha. Mas esse meu avô tinha um terreno de fabrico, que lhe chamávamos tapada, na qual os meus pais plantavam as batatas, tinham produtos hortícolas, embora não muito grande era o local onde havia oliveiras, amendoeiras, entre outras árvores de fruto.
                Era um terreno onde não havia qualquer poço, a água ali não passava, só que as hortas tinham que ser regadas, era então que dos tanques, onde as senhoras lavavam a roupa, que quer eu quer as minhas irmãs levávamos em cântaros e baldes para assim podermos regar as plantações.
Obviamente que era cansativo ainda mais porque éramos crianças mas tinha que ser assim, muitas das vezes não precisávamos que os pais estivessem por perto, pois nós mesmos nos encarregávamos do trabalho. Contudo quando o pai estava, as coisas piavam mais fino porque queria tudo na perfeição. A poça das couves tinha que ficar cheia, não podia ficar a meio, o rego das cebolas tinha que transbordar, entre outras coisas. Este foi o local onde plantei a minha primeira árvore e embora trabalhoso foi um trabalho que me deu bastante prazer, pois passados alguns anos estas estacas começaram a dar azeitona. Parece que ainda me estou a ver de pá e ferro na mão na companhia desse meu tio, que saudades…
                Era daí que comíamos as alfaces, os feijões, os tomates, as batatas... Aquela propriedade dava tudo, mas dava acima de tudo muito trabalho para dez réis de gente, que todos juntos cabíamos numa canastra.

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