sábado, 27 de novembro de 2010

Raíz da Minha Essência


A escola primária

 Situada a poucos metros da minha residência, situava-se a minha primeira escola primária, minha ida para a escola, a importância de aprender a ler e a escrever. Nos primeiros dias os meus pais diziam-me:
- Faz por aprender a ler e a escrever, porque quem sabe ler e escrever vai a todo o lado e quem não sabe não vai a lado algum, aprende para te livrares do trabalho duro.
Coitados, a escola tinha começado há dois dias e eles já estavam preocupados comigo, para eu aprender, já que eles não tiveram essa possibilidade.
Naquela escola andei apenas na 1ª. Classe, depois fui para a escola da Santa Luzia, onde conheci outros meninos mas no ano seguinte voltei para a 1ª. Escola e mais tarde fui  para a escola junto da rapadoura.



Aquela tapada

Após a morte da minha avó materna, os meus pais ficaram a cuidar do meu tio Manuel e avô Armando. A este último chamava de avô, embora não o fosse geneticamente mas era a pessoa a quem eu sempre chamei avô, pois não conheci o meu avô materno, com muita pena minha. Mas esse meu avô tinha um terreno de fabrico, que lhe chamávamos tapada, na qual os meus pais plantavam as batatas, tinham produtos hortícolas, embora não muito grande era o local onde havia oliveiras, amendoeiras, entre outras árvores de fruto.
                Era um terreno onde não havia qualquer poço, a água ali não passava, só que as hortas tinham que ser regadas, era então que dos tanques, onde as senhoras lavavam a roupa, que quer eu quer as minhas irmãs levávamos em cântaros e baldes para assim podermos regar as plantações.
Obviamente que era cansativo ainda mais porque éramos crianças mas tinha que ser assim, muitas das vezes não precisávamos que os pais estivessem por perto, pois nós mesmos nos encarregávamos do trabalho. Contudo quando o pai estava, as coisas piavam mais fino porque queria tudo na perfeição. A poça das couves tinha que ficar cheia, não podia ficar a meio, o rego das cebolas tinha que transbordar, entre outras coisas. Este foi o local onde plantei a minha primeira árvore e embora trabalhoso foi um trabalho que me deu bastante prazer, pois passados alguns anos estas estacas começaram a dar azeitona. Parece que ainda me estou a ver de pá e ferro na mão na companhia desse meu tio, que saudades…
                Era daí que comíamos as alfaces, os feijões, os tomates, as batatas... Aquela propriedade dava tudo, mas dava acima de tudo muito trabalho para dez réis de gente, que todos juntos cabíamos numa canastra.
                Quando as coisas não corriam de feição alguém sofria. Mas a vida era muito mas muito complicada.
Nos dias de hoje seria muito difícil aos pais, e numa conjectura actual, terem o domínio dos filhos como naquele tempo.
                Não querendo ser saudosista ou retrógrado mas também não quero deixar a ideia de que os meus pais é que estavam certos. Apraz-me dizer que a necessidade assim o obrigava.
Nessa Tapada havia um canto que era de facto o encanto desse local, que nos dava muito gosto regar: as flores, essas flores que minha mãe tanto gostava de regar ou que nós regássemos, parecia um local de oração, havia uma magia muito forte, as plantas davam-nos paz.
Podia estar tudo muito bonito, as árvores floridas, o campo verdejante mas se as flores estivessem tristes toda a tapada ficava triste, como que se tratasse de uma sintonia entre as flores e o resto do terreno.


As corridas de Burro

                Raro era o dia que não houvesse uma corrida de burro, acabados de aparelhar. Os burros estavam prontos para irem para essa Tapada, só que muitas das vezes colocávamos os burros à corrida.  Montávamos os animais e lá íamos eu e o meu tio Manuel, umas vezes ganhava ele outras vezes ganhava eu. Só que um belo dia os burros, cansados das corridas não quiseram ser mais asnos e jogaram-nos no chão, não ganhamos para o susto. Depois foi o bom e o bonito, nós com hematomas pelo corpo e os animais com as patas esfoladas, quando foi para explicar ao meu pai a razão de tudo aquilo, tivemos que inventar uma história, que embora não muito convencido lá aceitou, após esse episódio nunca mais utilizamos os burros para fazer correrias.


















A amoreira

Situada no alto da portela, a amoreira da índia, fazia as delícias dos mais novos e não só, mas a miudagem ia até lá para comer umas amoras. Por vezes eram mais as crianças que os ramos da amoreira, contudo dava para todos.
Vinha pessoal de todo o lado, os da portela mais próximos da amoreira estavam sempre lá, tornavam-se os donos do lugar, embora aquilo não fosse deles, havia colegas que para além das amoras levavam as folhas para o bicho-da-seda.
Não havia roupa que resistisse em virtude das manchas que as amoras provocavam, as mãos e a face vinham sempre manchadas.



Uma das muitas idas ao Monte

De manhã bem cedo, ainda o dia não tinha acordado e eu já havia feito vários quilómetros. De quando em vez agarrava-me à saia da minha mãe, sempre auxiliava na caminhada. Tínhamos como objectivo fazer lenha, para trazer para casa, porque o rigor do Inverno estava a aproximar-se, o tempo das moscas brancas como tantas vezes lhe chamavam, provocava toda esta labuta. Na companhia de outras pessoas, lá íamos até à Serra.
O frio cortava a face, nem mesmo o pano com que nos protegíamos chegava para atenuar tanto frio.
Depois da caminhada, cada pessoa pegava numa podoa, e começava a fazer o seu molho de lenha. Queria ajudar a minha mãe, e de guiçinho em guiçinho lá ia, construindo o meu feixe de lenha, obviamente que não podia ser muito grande.
Depois dos molhos feitos, colocavam-nos à cabeça e lá nos dirigíamos para casa.
O peso era enorme, tínhamos que parar várias vezes para podermos descansar. As senhoras tentavam colocar o molho da lenha no muro que ficasse mais ou menos à sua altura, para lhe ser mais fácil depois voltar a colocá-lo à cabeça.
Era certo que todo aquele frio inicial desaparecia. Pudera, tanto trabalho!
Quando chegávamos a casa, a lenha era colocada em monte, para depois nos podermos aquecer.
Quando estávamos à lareira quantas vezes se dizia que aquela lenha aquecia duas vezes.
A vida era muito agreste. Pobre mãe, para além de ter de nos educar, de nos dar o pão, de nos acarinhar, de olhar por nós, ainda tinha que andar ao monte! Sei do quanto trabalhou para ajudar o meu pai, merecia uma vida menos árdua, não por se tratar de minha mãe, mas, no fundo, por tantos filhos que teve. O ter de sofrer quantas vezes sozinha…julgava ela…pois sempre estive a seu lado, embora muito criança, já conhecia a dureza da vida, das suas dificuldades. Quantas vezes lhe perguntei se era necessário fazer tudo aquilo… até porque tinha de olhar pelos filhos, trazê-los limpos e todos as obrigações de mãe. Respondia sempre da mesma maneira, “não nasci num berço de ouro, a minha sina é trabalhar naquilo que puder, para ajudar o vosso pai, para que nunca vos falte de comer”. Apesar de tenra idade, compreendia perfeitamente aquelas palavras.
Quantas vezes as lágrimas caíram sobre o seu rosto, quantas vezes a minha mãe deixou de o comer para nos dar, vezes sem conta, preferia não comer mas os filhos tinham de se alimentar.
 As suas palavras faziam um enorme sentido, e ficaram para sempre na minha mente.     



         





O regar da horta na serra

As hortas tinham de ser regadas de dois em dois dias, então nos dias de semana por vezes ia na companhia de outros rapazes da minha idade cujos pais também tinham hortas na serra, tratar das culturas. Tinha que fazer as coisas sozinho apesar da idade, tinha de ter a responsabilidade, mas num dos dias que fui sozinho regar a horta apanhei um grande susto.
Quando passava numa zona de mato muito denso o burro parou e começou a erguer as orelhas. Fixo no olhar, não tirava os olhos daquela giesta. Quando me apercebi do que era, o meu corpo estremeceu. Era um lobo, lembrei-me que cerca de um quilómetro antes o cão tinha ladrado bastante, tendo inclusive ficado muito perto do burro, nunca eu pensei que aquilo poderia vir a acompanhar-nos tanto tempo.
O cão foi em direcção à giesta e o lobo, veio direito ao cão, só que o burro quando se apercebeu que corria perigo atirou com a carga que levava e desatou a galope, só vindo a parar já na horta. Deu-lhe para ir para a horta se lhe desse para ir para outro sítio tinha ido embora e eu ficado ali sozinho.
 Um senhor que estava ali por perto e já sabedor da existência do lobo, pois já havia apanhado um susto e por isso é que levava a caçadeira, veio socorrer-me. De caçadeira na mão veio até junto a mim, gritou várias vezes o meu nome e disse:
- Pega na foice e não te deixes morder que eu estou aqui.
Foi a ajuda que eu mais precisava.
O Mascote não foi mordido e comido por sorte, pois antes do senhor chegar vieram os cães deste que juntamente com o meu puderam fazer frente ao lobo.
Quando o senhor chegou eu fiquei mais a vontade, fez um disparo em direcção ao lobo só que não o apanhou.
 Agradeci ao senhor, e fui regar a horta. O estrume que o burro levava ficou caído na rodeira, só no domingo seguinte e na companhia de meu pai e tio Manuel, o carregamos para a horta. 
Contudo o medo era muito embora soubesse que o senhor ali andava bem perto, não conseguia disfarçar o receio do lobo poder vir novamente em nossa direcção. Porém e aconselhado pelo tal senhor fiz uma fogueira na horta e enquanto ali permaneci ficou acesa, só a tendo apagado quando me vim embora. No regresso a casa tentei ir pelo mesmo caminho, só que o burro teimou em não ir por ali e tive que ir por outro lado, pelo qual a volta era muito maior. Teve que ser assim se não, não saiamos dali.  
Já em casa contei à minha mãe o que se havia passado e dali em diante nunca mais fui sozinho à serra para regar as hortas.

















Férias nas colónias da figueira da foz

Após o ano lectivo e em dois anos seguidos fui passar férias para a Figueira da Foz. Nunca tinha visto o mar, pensava que era um rio muito grande, era maior que os rios Sabor e Tua, eram os rios que conhecia. Não conhecia ninguém, da terra não foi ninguém naqueles dias.
Depois de chegar juntaram todos os meninos e dividiram rapazes para um lado raparigas para outro. Cada grupo tinha um vigilante. Depois das formalidades todas fomos conhecer as camaratas. Levantei a roupa da cama, estava tudo numerado. Confesso que nunca tinha feito uma cama, por certo que das primeiras vezes que o fiz a cama não ficou lá muito bem feita mas a pouco e pouco fui-me aperfeiçoando, e o que custou foram os primeiros dias. Envergonhado, tímido, um pouco à toa, não sabia o que aquilo era.
Chegada a noite, fomos jantar, a campainha havia tocado, e tal como nos haviam ordenado, lá fomos.
Os vigilantes encarregaram-se de nos acompanhar ao refeitório, onde nos aguardava um senhor, que não sei quem era, talvez o director da colónia de férias ou alguém que o representava na altura. Deu-nos as boas vindas, desejando-nos uma boa estadia, que houvesse compreensão, companheirismo e educação.
Após o senhor ter falado serviram o jantar. Cada um de nós pegou o seu tabuleiro e lá fomos. Era estranho de facto, mas era assim. Depois do jantar fomos para as camaratas, para dormir.
De manhã, depois do banho fomos tomar o pequeno-almoço, após este, as vigilantes conduziam-nos em fila indiana até à praia, onde ficávamos até à hora de almoço.
Brincamos, sempre com alguém por perto, depois voltávamos para o almoço. Após o almoço permanecíamos na colónia, a fazer várias coisas e um pouco mais tarde voltávamos à praia, onde por volta das dezasseis horas nos era servido o lanche, quase sempre composto de um pão com marmelada, queijo ou fiambre.
Era assim os dias de semana e aos  domingos depois do pequeno-almoço íamos à missa e da parte de tarde havia espectáculo de variedades, onde grupos de jovens interpretavam vários papéis, depois colocavam a possibilidade alguém do público ir fazer qualquer coisa que soubesse.
 No primeiro domingo confesso que estava um pouco envergonhado e não deu para cantar, mas no domingo seguinte fui cantar para todos, sinceramente já nem me lembro o que cantei, o importante era que as pessoas tinham gostado.
No dia seguinte as contínuas vieram junto de mim e disseram-me que tinham gostado e que aquilo era para repetir. Perdi a vergonha e todos os domingos sempre que havia estes convívios lá ia cantar.
















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